A banda de música, assim como o povo
brasileiro, apresenta larga diversificação de gênero e de autores, pois
se encontra em toda a abrangência do espaço brasileiro. Fenômeno
histórico e sociológico tão importante quanto o fenômeno artístico, a
banda de música vive hoje, em muitos lugares, em estado de latência. Não
deixa, porém, de desempenhar importante papel de mobilizadora da
comunidade nos seus momentos mais caros e solenes; de cumprir o papel de
escola livre de música, verdadeiro conservatório do povo; de manter-se
como guardiã da tradição musical popular brasileira. A banda de música
ainda é a mais antiga e menos estudada instituição ligada à criação e
divulgação da música popular. Esse papel de reserva da cultura popular
assumiu dimensões históricas a partir do século XVIII com a
multiplicação das irmandades cecilianas – de Santa Cecília - às quais os
músicos geralmente se filiavam, mantendo forte vínculo com as
instituições religiosas. Herdeiras do sistema medieval de organização do
trabalho, as irmandades dos músicos reconheciam a categoria e esses
trabalhadores puderam expandir suas obrigações além do âmbito da igreja,
no sentido social como no artístico, acrescentando, por exemplo,
obrigações assistencialistas que resultavam da contribuição de cada um.
Era o embrião do mutualismo, o présindicalismo. A pesquisa também
revela grandes mudanças na organização das irmandades e das próprias
bandas de música na entrada do século XIX, quando à confusa formação de
músicos nas milícias e nas igrejas deram-se soluções “modernas”,
inspiradas nos modelos europeus. A chegada de D. João com a corte
portuguesa, em 1808, propiciou mudanças qualitativas de grande
repercussão em todo o Brasil. Data de 27.03.1810 o decreto que mandou
estabelecer em cada regimento um corpo de música composto de 12 a 16
executantes. Em 1814 começaram a espalhar-se nos quartéis o ensino e a
prática de instrumentos mais atualizados em substituição às antigas
bandas, ou ternos e quartetos, de tocadores de charamelas, pífanos,
trombetas, caixas e timbales. O grande impulso resultou, portanto do
estabelecimento da corte portuguesa no Rio de Janeiro. Mas a banda da
brigada real, trazida por D. João em 1808, ainda era arcaica. Em
Portugal, a banda de música começou a se modernizar somente em 1814,
quando seus soldados regressaram da guerra peninsular trazendo
brilhantes bandas de música, em que predominavam executantes contratados
espanhóis e alemães. Ernesto Vieira alude ao decreto de 29.10.1814,
determinando que houvesse em cada regimento de infantaria uma banda
composta de mestre e 11 músicos, todos praças do pré. O modelo português
vigoraria no Brasil e está indicado na portaria de 16.12.1815, que
recomendou a composição da música de cada regimento de infantaria e
batalhão de caçadores: 1 mestre, 1º clarinete; 1 requinta; 2 clarinetes;
2 trompas; 1 clarim; 1 fagote; 1 trombão ou serpentão; 1 bombo e 1
caixa de rufo. Determinou ainda que houvesse 4 aprendizes escolhidos
entre os soldados, podendo assim chegar a 16 o número de músicos, mas
não mais que isto. A música nas milícias claramente aparecida em bases
orgânicas, na metrópole, em 1814, forneceria o modelo para a formação de
bandas civis. Daria, inclusive, preponderância ao 1º clarinete, aquele
que teria habilitação de mestre. Em Portugal, a história da formação das
bandas civis também é obscura. Pedro de Freitas acredita que ela
surgiu, pela primeira vez, em 1822, quando o afamado maestro Bomtempo
apresentou em Lisboa uma sociedade filarmônica organizada nos moldes da
de Londres, fundada em 1812. A novidade teria sua natural repercussão no
país. Se isso acontecia tão tardiamente na metrópole portuguesa, claro
que no Brasil as coisas se desdobrariam a seu tempo. Na verdade, porém, a
banda de música, tal como hoje a conhecemos, é produto do século XIX.
Ela só alcançou o padrão moderno na Europa na primeira metade do século
XX, quando aperfeiçoamentos substanciais foram introduzidos nas flautas e
nos clarinetes. Esses aperfeiçoamentos se devem principalmente ao
flautista alemão Theobald Bohm (1794-1881) e ao belga Adolf Sax
(1814-1894), criador do saxofone em 1840. Ao contrário das bandas de
música das milícias, que deixaram atrás de si pistas abundantes e por
vezes minuciosas de sua organização e manutenção, as bandas civis contam
a história quase sempre obscura. Nem todos os dicionários e
enciclopédias dignam-se de falar dessas corporações. Lembram apenas os
conjuntos palacianos, como os da corte francesa, onde teria surgido a
denominação “banda”. Mário de Andrade, entre nós, sempre atentos às
coisas do povo, verbetizou o termo no Dicionário musical brasileiro,
obra póstuma, 1989, pp. 44-45, dando-lhe 2 significados: 1, Conjunto de
instrumentos de sopro, acompanhados de percussão; 2. O mesmo que
charanga, filarmônica. Abona com eruditas informações. Bandas de
fazenda, diz MA, composta de pretos e escravos. “O barão do Bananal com
seus crioulos compuseram uma de 24 instrumentistas, me contou o preto
velho Manuel”, aquele que lhe dera um documento precioso, o dobrado,
Voluntário da Pátria, transcrito no volume Melodias registradas por
meios não mecânicos, org. Oneyda Alvarenga, 1946, p.96.
Eduardo Fideles
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