Quando Capiba afirmou
que Pernambuco tem uma dança que nenhuma terra tem,
Poderia ter
acrescentado também uma “música”.
Ambos nasceram e
desenvolveram-se em Pernambuco.
Nunca se conseguiu que
brotasse em outra terra,
ao menos com a
autenticidade do que se faz no estado. Detalhes, nuanças há no frevo que
“estrangeiros” não conseguem captar.
O passo e o frevo são uma espécie de mistério dentro da cultura popular brasileira.
Mistério, porque as
condições sob as quais surgiram, frevo e passo,
eram as mesmas, por
exemplo, das que havia no Rio de Janeiro,
na mesma época (da
segunda metade do século 19, início do século 20).
Conforme afirma o
antropólogo Carlos Eugênio Líbano, em seu : A negregada instituição,
maltas de capoeiras,
assim como acontecia no Recife,
também tinham as bandas marciais de sua
predileção,
e as seguiam, exibindo
suas habilidades, não raro entrando em confronto com outras maltas,
quando coincidia de as
bandas cruzarem-se pelas ruas da então capital do país.
Assim era em Pernambuco, com as bandas de música
dos batalhões
aquartelados na capital pernambucana.
Uma delas chamada de O
Quarto, por ser do Quarto Batalhão de Artilharia,
a outra A Espanha, do
Corpo da Guarda Nacional,
assim denominada por
ser espanhol o mestre da banda, Pedro Garrido.
Por que a música tocada
pelas bandas cariocas não evoluiu para o frevo,
ou algo semelhante? A
resposta mais provável é a que sugere o jornalista Rui Duarte,
em seu História Social
do Frevo.
Os capoeiras adotavam uma banda marcial como a de sua preferência,
e considerava
adversário quem não compartilhasse da mesma “torcida”.
Pernadas, golpes com
pau de quiri, espetadas com faca,
punhal eram
distribuídos com os partidários da banda adversária.
A proibição ao desfile
dos capoeira, pelo governo da província de Pernambuco deu-se em 1856.
Mesma época em que as
limas-de-cheiro, dos entrudos,
e os capoeiras eram alvo de proibição no Rio
de Janeiro.
A diferença, aponta Ruy Duarte, é que
enquanto as ordens foram obedecidas no Rio,
que adotou um carnaval
Europeu, no Recife, que respirava rebeldia e agitação,
a proibição foi
driblada com a fundação de clubes carnavalescos:
“A polícia estava
perseguindo capoeiras matadores de marinheiros
(nota - apelidos dos
portugueses).
“Os clubes se fundavam
sob inspiração clandestina de nomes e símbolos”
(Rui Duarte na obra
citada).
Vassourinhas nasceu, ao
menos oficialmente, em 6 de janeiro de 1889,
e Lenhadores, em 1897.
Os símbolos dos dois era o famigerado cacete de pau de quiri,
mas a arma, velada: A
Vassoura podia ser feminina, mas o cabo, na hora da refrega, virava pau puro.
O machado da
Lenhadores, mesmo que a machadinha fosse de papel, na hora de enfrentar o
inimigo, transformava-se no mesmo cacete com que os capoeiras investiam
contra os desafetos.
Os passos, e aí, todos
os historiadores, concordam, vieram da capoeira, a luta transmudando-se,
com o passar do tempo,
numa coreografia única.
E a música? Que o nome "frevo" é corrutela de "ferver",
isto é ponto pacífico
entre todos historiadores e pesquisadores.
Quanto a música,
recorremos novamente a Rui Duarte;
“Quem fizesse música
para promover estes movimentos subversivos,
poderia ficar exposto a conseqüências
desastrosas.
E a música pioneira,
que veio abrir caminho para a que,
anos depois, teria a
designação própria de frevo passou a animar o carnaval pernambucano,
executada pelos mesmos
músicos-soldados dos batalhões aquartelados na cidade,
nos mesmo instrumentos
da corporação, com uma diferença apenas,
em lugar da farda,vestiam
fantasias”.
O dobrado das bandas militares acompanhou a transformação das manobras da capoeira,
acelerando o andamento,
acrescentando sincopas, ou terá sido as manobras dos capoeiras que foram
adaptando-se à nova música que surgia?
Valdemar de Oliveira,
em seu antológico frevo,
Capoeira e Passo, acredita
que nasceram, dança e música ao mesmo tempo,
numa simbiose raríssima
na música popular universal, E, sem dúvida, inédita no Brasil.
O certo é que por volta
de 1905,
o frevo-de-rua estava
com o seu formato, tal como o conhecemos hoje,
praticamente delineado,
e antes da década de 20,
não apenas consolidado
como a música própria de carnaval, e unicamente de Pernambuco.
Com personalidade tão
atavicamente ligada à sua terra natal, que, como já foi assinalado,
jamais foi executada
apropriadamente fora dela.
O frevo não é música
que se transplante, conforme Valdemar de Oliveira.
Gravada desde final dos anos 20, no Rio de Janeiro, por grandes nomes do rádio ,
para consumo dos
pernambucanos, o frevo passou a ter seus discos produzidos no Recife,
a partir de 1955,
quando a Fábrica de Discos Rozenblit ganhou estúdio e prensa de discos.
O primeiro 78rpm da
Rozenblit foi lançado em 1953 (mas fabricado na Sinter, no Rio),
com o frevo-canção
Boneca (Aldemar Paiva/José Menezes),
e Come e dorme,
frevo-de-rua de Nelson Ferreira.
José Rozenblit, presidente da gravadora, monopolizou o mercado
(exigia, inclusive,
exclusividade, de cantores e compositores),
expandindo o frevo para
outros estados do Norte e Nordeste, e, sem igual sucesso,
para as demais regiões
do país. Somente foi sucesso nacional, em 1958,
com Evocação,de Nelson
Ferreira,
o único frevo produzido
em Pernambuco a competir com o samba num carnaval carioca
(Vou gargalhar, do recifense Edgar Ferreira,
campeão do carnaval do Rio,
na voz de Jackson do
Pandeiro, foi gravado quando o cantor já vivia na ainda capital da
República).
Em Pernambuco, e estados vizinhos, o frevo era a música do carnaval,
disputando a
preferência dos foliões com as poderosas marchinhas importadas do Rio de
Janeiro.
Para conseguir esta proeza,
José Rozenblit valia-se de uma maciça campanha de divulgação.
Inédita na indústria do disco de então.
Não apenas distribuía
boa parte da tiragem dos álbuns com as principais emissoras de rádios do
país,
Como, na região
metropolitana seu mercado principal.
Espalhava as partituras
dos lançamentos para o carnaval,
com as centenas de orquestras que animavam a
folia, na rua e clubes do Grande Recife.
Os discos de carnaval saíam da fábrica em setembro.
Em fevereiro, portanto,
já estavam na boca e no pé dos foliões. Bons tempos para o frevo que,
infelizmente, passaram.
Há anos que as emissoras de rádios só tocam frevos,
e assim mesmo os
clássicos, no período carnavalesco.
Os discos de frevos
continuam sendo lançados, sem divulgação, e sem execução no rádio e TV,
portanto, não chegam ao
povo. O frevo foi perdendo espaço para a música da moda,
o sucesso pop de
meio-de-ano acaba sendo o sucesso do carnaval.
A culpa não é só dos
meios de comunicação.
Os músicos não têm
acesso fácil ao frevo, música que exige conhecimentos formais,
de orquestração,
arranjo, e livros com partituras de frevo são praticamente inexistentes no
mercado.
Foi atenta a esta dificuldade, que a Fundarpe aproveitando o gancho do centenário, em 2004,
de dois dos maiores
autores e frevo, Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba,
e Edgard Moraes,
elaborou o livro Capiba e Edgard Moraes 100 anos de frevo.
A volumosa obra, contém
arranjos, para todos os instrumentos de uma orquestra de frevo,
das principais
composições dos dois compositores,
assinados pelos
maestros José Menezes, Duda , e Spook.
A impossibilidade de repetir o feito de Rozenblit e fazer chegar a mãos dos mestres de bandas
e maestros de
orquestras esta compilação de partituras, levou a Fundarpe a criar o site .
É não restrito ao
trabalho de Capíba e Edgard Moraes, mas a outros compositores,
desde o extraordinário
mestre do frevo-de-rua Levino Ferreira,
quanto ao
frevo-de-bloco (ou marcha-de-bloco), de Getúlio Ferreira,
chegando até o
frevo-canção contemporâneo de Lula Queiroga.
Se o frevo, como escreveu Valdemar Oliveira, não é música que convida, mas arrasta.
Entrem todos neste
arrastão do frevo virtual, disponível, 24 horas, ad infinitum,
Façamos votos para que
seja sempre atualizado pelas futuras gestões da Fundarpe,
para que o frevo
comemore, muitos e muitos e muitos 9 de fevereiro,
data em que pela
primeira vez o termo foi visto num jornal do Recife –
Jornal Pequeno – no ano de 1907,
data oficial do
nascimento desta música que a partir de agora toda a Terra pode ter.
José Teles
Jornalista
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“a música é essencial no processo de formação, não apenas porque é capaz de desenvolver a motricidade, a oralidade, a concentração, que é o que todo mundo defende. Mas por estreitar a relação que o ser humano tem com ele mesmo”. Maristela Mosca
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